segunda-feira, 9 de maio de 2011

O Manual de Boa Conduta

Eis o modelo exemplar de cidadão previsto no Manual.

Desde o início do mês passado os grossenses passaram a contar com o seu Ponto de Cultura. O programa, que prevê investimentos da ordem de R$ 180 mil rateados entre os governos federal e estadual, aportou na cidade graças à aprovação do "Projeto Ascender" de autoria da Associação dos Amigos da Casa de Cultura de Grossos.

A boa nova abre um leque de possibilidades para o desenvolvimento cultural do município. Contudo, é uma pena que nem todos os artistas devam usufruir dos benefícios do projeto, pois sua execução está fadada a padecer da ingerência política. Esta ficou evidente depois da constatação de uma incrível coincidência. Por obra do destino, a titular da Secretaria Municipal de Cultura também é presidente da entidade responsável pela implementação do Ponto.

Ninguém duvida da competência técnica da auxiliar do prefeito. Ao combinar seu trabalho com apoio político de outras esferas de governo, ela obteve alguns bons resultados merecedores de reconhecimento. No entanto, o acúmulo de funções tão importantes pode acarretar uma série de consequências indesejáveis. A primeira delas aponta para o risco de se transformar uma associação de artistas numa extensão da pasta que comanda na Prefeitura.

Abolidos os limites que separam as duas instituições, o caminho estaria livre para aplicar no âmbito de uma organização não-governamental os mesmos métodos e critérios políticos da Administração. É aí que reside o problema, pois os gestores municipais agem conforme as diretrizes de um livro imaginário denominado Manual de Boa Conduta. Ele contém os pressupostos de bom comportamento tolerados por certas autoridades. Dentre os mais utilizados estão os laços de parentesco, a lealdade político-partidária e a obediência irrestrita ao superior hierárquico.

Quem não atende a nenhum desses requisitos deixa de ser prioridade do poder que, em tese, é público. Isto pode ter acontecido com o Grupo de Artes Brilho da Terra. Condenado ao ostracismo pelo monopólio da política cultural, o grupo resiste bravamente a tal adversidade. Seus membros só se apresentam praticamente uma vez por ano. E mesmo assim, a convite da Igreja Católica durante a festa do padroeiro da cidade.

Outro exemplo da aplicação severa do Manual nos remete a nomeação do primeiro agente de cultura, em meados de 2009. A indicação partiu da Fundação José Augusto e se deu sem consulta prévia ao prefeito. O fato logo desencadeou uma reação do chefe do executivo. Com o orgulho ferido, ele viajou à capital do Estado várias vezes para desfazer o ato que tanto o incomodava. As pressões surtiram efeito e em menos de um mês o escolhido para o cargo foi destituído.

Nos dois casos, não cabe falar em falta de talento ou despreparo para o exercício da função. O que houve, na verdade, foi uma transgressão às regras da cartilha fantasiosa que dá nome a este artigo. Vale dizer que os preceitos deste documento fictício jamais foram transcritos para o papel. Ainda assim, sua literatura perniciosa continua sendo interpretada para assegurar privilégios e debelar "ameaças". Desse modo, garante-se a sobrevida de um modelo de gestão que protege e valoriza os interesses de uma minoria em detrimento da coletividade.

Leia também:

A mais bela voz , Santo de casa... e A festa dos outros.


Postagens dos pŕoximos dias: A oposição em apuros e A odisséia do vereador.

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