sábado, 14 de maio de 2011

Hábito nacional

Crônica de Luís Fernando Veríssimo.

Por uma destas coincidências fatais, várias personalidades brasileiras, entre civis e militares, estão no avião que começa a cair. Não há possibilidade de se salvarem. O avião se espatifará – e, levando-se em consideração o caráter dos seus passageiros, “espatifar” é o termo apropriado – no chão. Nos poucos instantes que lhes restam de vida, todos rezam, confessam seus pecados, em versões resumidas, e entregam sua alma à providência divina. O avião se espatifa no chão.
São Pedro os recebe de cara amarrada. O porta-voz do grupo se adianta e, já esperando o pior, começa a explicar quem são e de onde vêm. São Pedro interrompe com um gesto irritado.

- Eu sei, eu sei.
Aponta para uns formulários em cima de sua mesa e diz:
- Recebemos suas confissões e seus pedidos de clemência e entrada no céu.
O Porta-voz engole em seco e pergunta:
- E… então?
São Pedro não responde. Olha em torno, examinando a cara dos suplicantes. Aponta para cada um e pede que se identifiquem pelo crime:
- Torturador.
- Minha financeira estourou. Enganei milhares.
- Corrupto. Menti para o povo.
- Sabe a bomba, aquela? Fui o responsável.
- Roubei.
- Me locupletei.
- Matei.
Etcétera. São Pedro sacode a cabeça. Diz:
- Seus requerimentos passaram pela Comissão de Perdão e foram rejeitados por unanimidade. Passaram pelo Painel de Admissões, uma mera formalidade, e foram rejeitados por unanimidade. Mas como nós, mais que ninguém, termos que ser justos, para dar o exemplo, examinamos os requerimentos também na Câmara Alta, da qual eu faço parte. Uma maioria esmagadora votou contra. Houve só um voto a favor. infelizmente, era o voto mais importante.
- Você quer dizer…
- É. Ele. Neste caso, anulam-se todos os pareceres em contrário e prevalece a vontade soberana d’Ele. Isto aqui ainda é o Reino dos Céus.
- E nós podemos entrar?
São Pedro suspira.
- Podem. Se dependesse de mim, iam direto para o Inferno. Mas…
Todos entram pelo Portão do Paraíso, dando risadas e se congratulando. Um querubim que assistia à cena vem pedir explicações a São Pedro.
- Mas como é que o Todo-Poderoso não castiga essa gente?
E São pedro, desanimado:
- Sabe como é, Brasileiro…

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