domingo, 3 de junho de 2012

A memória maculada do Sindicato do Garrancho

Do lado errado da História. 

" Aí nós tratamos de nos reunir no mato. Tinha árvores aqui logo perto, na época, daqui a uma légua mais ou menos, tinha árvores grandes e era lugar ermo. A gente dizia: tal dia é debaixo de árvore tal, por exemplo, uma quixabeira, que é uma árvore frondosa que nós temos aqui e que é muito frondosa, nunca falta sombra nela. E a gente ia pra lá e traçava os planos. Não era uma assembleia, mas ali estava a fina flor do operariado mais consciente. Ali se traçava o plano para por em execução no dia seguinte. Discutia-se todos os problemas da classe e saía-se nas salinas." ¹

O trecho acima é parte de um depoimento de Francisco Guilherme Souza, homem que integrou o Sindicato do Garrancho, uma organização que nos anos 30 agregou grande número de trabalhadores de salinas do oeste potiguar. A memória desse Sindicato foi recentemente invocada num encontro político realizado em Grossos. Em que pese a necessidade de manter viva a história de luta daqueles operários, algumas ponderações sobre a referida menção devem ser consideradas, haja vista o contexto no qual ela foi feita.

Ora, o termo 'Garrancho' foi incorporado ao nome do movimento porque os seus membros tinham de se reunir na clandestinidade (no mato mesmo!), fugindo da perseguição patrocinada pelo Estado e pelo patronato local. Em nome de seus ideais, os trabalhadores foram alvo de todo tipo de tortura. Ter as unhas arrancadas com alicate, por exemplo, era a forma mais branda de castigo.

Pois bem, essa gente valorosa conheceu o auge da dor e do sofrimento em 1935, ano em que Rafael Fernandes (esse sobrenome é-me familiar) tornava-se governador do RN. Dono de salinas na região de Mossoró, Fernandes voltou todo o aparelho repressivo estatal para massacrar a classe operária insurgente, que foi completamente dizimada em meados de 1936 graças à campanha de 'caça às bruxas' liderada pelo governo.

Quase noventa anos depois do seu fim, o Sindicato do Garrancho é citação obrigatória no discurso de um ex-mandatário da cidade. O interessante é que hoje ele faz alianças justamente com políticos da mesma estirpe ideológica dos carrascos do passado. Ao que parece, está, portanto, do lado dos herdeiros da opressão, os filhos dos opressores e não dos oprimidos.

E essa é infelizmente uma postura que tem sido adotada por toda a esquerda grossense, fato que dá a dimensão da tragédia política reinante no município, onde o seu povo é induzido a aclamar como heróis os próprios algozes.   

¹ Ferreira, Brasília Carlos. O Sindicato do Garrancho. 2 ed. Mossoró(RN): Depto. Estadual de Imprensa, 2000.(coleção Mossoroense, Série C;v.1014). 

3 comentários:

Unknown disse...

Mas colega Lenin as coisas são assim mesmo; os personagens e fantasmas da história tem essa utilidade, de serem relembrados; alguém já dizia que "a história nunca se repete, a não ser como farsa(o 18 brumário de Luis Bonaparte). É o que acontece e ela, a história, é implacável com quem comete erros; prefiro, se é pra citar referências, coisa que não gosto muito,beber na fonte do velho Engenls, que dizia ser ela "a mais cruel de todas as deusas".

Jerfson Verissimo disse...

Meu tio participou de 2 reuniões do sindicato garrancho, e ainda hoje ele fala com idolatria desses "guerreiros potiguares", trabalhadores comuns com um grande ideal, é assim que devemos definir quem fez parte desse movimento.

JPBarra disse...

Olá Pessoal, gostaria de obter mais informaçõe sobre esse movimento "SIndicato do Garrancho" estou fazendo um artigo do Mestrado na UERN sobre tal tema e depoimentos, fotos tudo que tivesse sobre esse movimento ajudaria bastante. Posso deixar meu e-mail.