segunda-feira, 23 de julho de 2012

Há quanto tempo!

Por Genildo Costa* via Recitanda do Jornal O Mossoroense.

Aos visionários da lousa perdida!

Quase que não reconhecia, realmente, o meu Neruda que havia perdido. Encontrei-o, menos alegre que outrora, apenas algumas rugas. Algumas, por demais imperativas, outras, pura confissão. Detive-me, por alguns instantes, e a mim mesmo resolvi denunciar a trágica cumplicidade, tardiamente.

Cuidei de me antecipar e tentar entender que a lisura desses tempos de infortúnios vividos deixou-me lembranças. Por sinal boas lembranças. Só agora a serenidade alumia a tez de nossas velhas e intransitáveis veredas de absoluta solidão.

Por mais que tentasse construir atalhos para reinventar palavras de convencimento, de persuasão, mais confuso lá estava, a minha única e singular pessoa. Mesmo assim resolvi optar pelo retrovisor do tempo, e por incrível que pareça, percebi que tudo que havíamos projetado não mais estava em sintonia com a pulsação de nossas aspirações.

Optei por tentar uma nova convivência. Fazer-se de aprendiz para só agora iniciar um trajeto que me levaria a reunir todas as páginas que num passado, não muito distante, nos ensinou a apontar caminhos. Seria, então, velhos fantasmas que nos atormentam ou possíveis espectros que divagam por sobre a alcova desses homens de fé pequena e de fracassados sonhos? Creio que não.

Persisto em não querer, por mais uma vez, apresentar de novo justificativas para não ter que continuar me vendo anjo de uma corte celestial que nega no espelho de todos os dias a sua real identidade.

Que seja assim, pois, a impressão que fica dessa teia de relação promíscua é a de que o pretérito tão bem lapidado não nos servirá sequer para rever a tua lira composta em versos de pura indignação. Reconheço que agora é a negritude da lousa que se nega a doar-se completamente. Uma vaga lembrança de alguns memoráveis escritos não me deixa sequer tomar, em definitivo, a cicuta de meus desencantos.

Mesmo que tenha que fingir, não consigo. Não dobro esquinas desnecessariamente. Apenas, tenho evitado em não querer mais a leitura compulsiva de meu Neruda tão fragilizado e triste. Tentei revesti-lo de alento, não tive êxito. Mesmo assim, pude viver, intensamente, algumas páginas como se ali estivesse todos os meus dissabores.

Ainda permanecem, tão-somente, as irrevogáveis cicatrizes que certamente ficarão expostas. Os traços visíveis de sua fisionomia adormecerão comigo porque espero acordar sereno e não mais solitário de tuas páginas de dor e sofrimento.

*Genildo Costa é cantor e compositor.

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