Texto de Roger Moko Yabiku publicado no site Direto da Redação.
O consumo é uma atividade natural utilizada para satisfazer as necessidades. Consome-se, então, desde os primórdios da humanidade. Por exemplo, nas sociedades caçadoras e extrativistas (geralmente nômades), não há quase acumulação de propriedade privada.
Aliás, a propriedade privada atrapalha a atividade de deslocamento dos nômades em busca de alimentos e animais para a caça. Não que não exista a propriedade privada, porém, se restringe basicamente as armas e instrumentos pessoais. A acumulação de muitos bens é tida como sinal de mesquinharia, visto como algo negativo pela coletividade. Estranho, não?
Com a sofisticação da agricultura, algumas sociedades deixam de ser nômades e se fixam a um território. As cidades surgem como locais de armazenagem do excedente da produção agrícola. O excedente da produção concentrado nas mãos de poucos proprietários dá origem à desigualdade social e econômica.
Esse fenômeno, com a revolução industrial e hoje com as revoluções das tecnologias de comunicação, acentuou a desigualdade social e a acumulação da propriedade privada, seja pelo capital ou pelo acesso e agilidade no processamento das informações.
A maior parte da humanidade, que já não era proprietária dos meios de produção, parece perder parte de si durante a jornada laboral. Dessa forma, parece surgir um vazio, um vácuo, uma sensação de insatisfação constante, que parece jamais ser suprida.
As pessoas se esquecem de construir o seu “ser” e, para suprir esse vazio, consomem mercadorias que muitas vezes não necessitam. O “ter” passa a ter primazia. Avalia-se os outros pelas suas propriedades e não pelo seu caráter ou sua história de vida, o que acaba por reduzir pessoas a produtos descartáveis.
O que é ser feliz? Na sociedade contemporânea, muitas vezes, é poder de consumo, de ter, de comprar e depois descartar coisas, numa velocidade cada vez maior. Comprar coisas que nem sempre se necessita sob estímulo dos meios de comunicação ou da inveja (provocada em si mesmo ou a provocar nos outros), para esbanjar ostentação e aparência.
Para continuar a consumir, entra-se num ciclo vicioso de endividar-se (crédito) para pagar o que, em sã prudência, não se ousaria comprar. Ou seja, consome-se (produto bancário – empréstimo) para pagar o consumo.
E quando se tira essas coisas da pessoa que se preocupou mais com o “ter”? Algumas se perdem totalmente, suicidando-se, inclusive, pois não encontram mais sentido para suas vidas. No entanto, as que se preocuparam em ser alguém, construir-se em virtudes, abalam-se momentaneamente, porém, em vez de ver tudo perdido, erguem-se das cinzas. E começam tudo de novo.
Mas hoje quem se preocupa em se construir enquanto “ser” pode ser o primeiro eliminado do Big Brother da vida, sendo taxado de marginal, estranho, bobão, certinho, ingênuo, babaca, com toda sociedade se deliciando numa prática de bullying que beira o sadismo. O que fazer nessas situações? Não seria o caso de ter dó dessas pessoas, pois não precisamos ser desse jeito?
Roger Moko Yabiku é jornalista, advogado e professor universitário.
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