terça-feira, 26 de julho de 2011

Subversão e bem-aventurança

Em meio aos protestos em prol da educação no RN, setores do governo e da imprensa potiguar tentaram denegrir a imagem de professores e estudantes classificando-os como irresponsáveis e desordeiros. Além da peculiar repulsa aos movimentos sociais, o que deixou as autoridades ainda mais exaltadas foi a forma como mestres e alunos resistiram às pressões do governo, desobedecendo inclusive decisões judiciais. Com tal atitude os manifestantes chocaram os arautos do chamado Estado Democrático de Direito, que, diga-se de passagem, jamais socializou os direitos, limitando-se a vender a ideia de falsa liberdade sob o manto de uma democracia meramente formal.

Pela ótica deste modelo, as regras e decisões que emanam do Estado devem ser respeitadas incondicionalmente, mesmo que o seu conteúdo seja incompatível com a noção de justiça. É neste ponto que reside a principal divergência entre os defensores da ordem e aqueles que a contestam. Os primeiros estão satisfeitos com essa lógica jurídica até porque é ela que garante os seus privilégios, protegendo-os de possíveis retaliações. Mas os que ousam desafiar certos ditames estatais por uma causa nobre o fazem movidos pelo sentimento de justiça.

Essa postura combativa me faz lembrar do exemplo de um homem que há mais de 2 mil anos também repudiou a Lei de seu tempo. O nome dele: Jesus Cristo. Convicto de seu papel na sociedade, Ele transmitiu uma mensagem não apenas espiritual, mas também política. E ao contrário de muitos filósofos ditos revolucionários, a sua proposta não ficou apenas no discurso. Logo converteu-se em ações contra a iniquidade de sua época.


Dentre as mais marcantes, destaca-se o episódio no Templo de Jerusalém quando o Filho de Deus condenou com veemência o comércio instalado num lugar que deveria ser uma grande casa de oração (João, 2:13-16). Ora, se os negócios podiam ser feitos livremente no templo era porque o ordenamento jurídico assim permitia, não havendo nenhum ilícito na venda de produtos no local.

Nesse contexto, Jesus é quem passou a figurar como perturbador da ordem, principalmente se considerarmos a forma como ocorreu o seu protesto. Segurando um azorrague de cordas(espécie de chicote) e derrubando as mesas onde estavam as mercadorias, o Messias pretendia expulsar do recinto os vendedores que profanavam a Casa do Seu Pai. Tal fato desagradou à elite política judaica, pois havia o medo de que a conduta do Nazareno inspirasse levantes populares que colocassem em risco o poder dos sacerdotes.

Agora imaginem se Jesus retornasse hoje e, sem se identificar, adentrasse uma dessas inúmeras igrejas que usam o seu nome em vão para enriquecer líderes religiosos. Se fizesse manifesto semelhante ao do Templo de Jerusalém contra ele logo se levantariam as vozes mais conservadoras do Direito. Provavelmente seria acusado de afrontar a liberdade religiosa assegurada constitucionalmente (art. 5º, VI da CF/88) ou de ter cometido crime contra o sentimento religioso (CP, art.208). Isto sem falar que seria vítima de toda sorte de impropérios por conta do ato revoltoso.

Embora a atitude perante os prelados contemporâneos já o deixasse em maus lençóis, a situação de Cristo com a “justiça” poderia piorar caso ele resolvesse tratar algum governante da forma como se referiu a Herodes, chamando-o de “raposa”(Lucas, 13:31-32). O insulto lhe renderia um processo por injúria (art.140, CP) e, por ser de origem humilde, filho de carpinteiro, sem condições de pagar advogados e dependente da defensoria pública, com certeza passaria mais tempo na cadeia do que muito político respeitador das leis.

E novamente o Salvador não seria compreendido pela maioria dos humanos. Na contramão de uma farsa encoberta por preceitos normativos, não passaria de mais um desses “irresponsáveis desordeiros” aos olhos dos poderosos do século XXI. Porém, sei que nada disso lhe importa, pois enquanto Homem nos revelou certa vez que a verdadeira felicidade não está na vilania de quem oprime, mas na coragem dos que lutam porque têm sede e fome de justiça (Mateus, 5:6).

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