domingo, 27 de maio de 2012

Darcy Ribeiro, almanaque da política brasileira.

Por Genildo Costa.*

Foi-se o tempo em que as referências bibliográficas serviam como necessidades básicas de nosso aprendizado; caminhavam a passos largos, quase sempre em todas as instâncias de nosso cotidiano. Na verdade, dificilmente se divaga sobre nossas cabeças personalidades ilustres que até então fazem parte da constelação de valores desse imenso almanaque chamado Brasil.

Diria até que são inúmeras as referências. Algumas certamente vamos ter dificuldades de encontrá-las, já outras são mais perceptíveis. Até porque para os mais inquietos haverá de existir sempre a curiosidade de saber da consciência anárquica dos poucos que permanecem tatuados na memória do povo brasileiro.

Que jamais percamos de vista a dinâmica da velocidade que nos enclausura. Nos faz de reféns e nos rouba a possibilidade de imprimirmos a marca do ser univérsico. Antenado, apto a entender que nesse almanaque vamos sempre encontrar régua e compasso para pensarmos o Brasil que queremos e sonhamos ter.


Lembro-me de ter visto bem de perto os fragmentos de um porta lágrima tomado pela emoção de quem dedicou toda sua vida a um projeto de Brasil. Se não me falha a memória, foi no pátio da universidade de Brasília que o escritor, pesquisador e professor Darcy Ribeiro fez o seu último pronunciamento. Naquele instante de profunda gratidão e respeito aos seus compatriotas, o mestre Darcy ensaiava em tom solene uma declaração de amor e de carinho ao país que ele não teve o privilégio de ver acontecer. Adormeceu sem que os seus olhos pudessem alcançar a autenticidade do modelo democrático socializando com responsabilidade a ética e a riqueza de seu povo.

É como se algo tivesse de acontecer a partir dessas particularidades. Passamos desapercebidos. Pouca importância terá esse almanaque para os protagonistas da cena política alicerçada pelos pilares da sociedade de consumo. Pura leviandade, o que interessa mesmo é saber qual rumo será tomado nos dias vindouros. Tantos outros sucumbiram por não serem condescendentes. Não fizeram concessões e agora estão distantes dos embates travados no labor do dia-a-dia.

Pelo menos como referencial ou quem sabe como guia de luminosidade própria. Acho praticamente inviável a inserção dessas efemérides no curso da pauta de discussão diária. Passados alguns janeiros a expressão é meramente simbólica. A grandeza de civilidade de quem resistiu ao conservadorismo e aos atos institucionais do regime de exceção foi relegada ao ostracismo.

A pauta que se segue dificilmente vai trazer consigo o fracasso do autor de O Povo Brasileiro. Seria demasiada pretensão minha tomá-lo como parâmetro, paradigma indissociável dessa peleja histórica de continuar sonhando sonhos possíveis. Tenho medo de ser repetitivo, mas quero crer nos ensinamentos do grande antropólogo mineiro. Neles está a certeza de que as sucessivas derrotas catalogadas no arquivo da memória da classe dominante não ofuscam o legado de sabedoria e ética, base fundamental para traçar novos caminhos rumo à uma sociedade mais humana,justa e igualitária.

* Genildo Costa é cantor e compositor.


Nenhum comentário: