Por Luiz Carlos Azenha, no site Vi o mundo.
Eu estava no restaurante da pequena Chorrochó, no sertão da Bahia, quando entrou o bêbado da cidade. As simpáticas proprietárias mostraram desconforto. Foi como se dissessem com os olhos “agora, não, vai estragar a visita”. Mas elas logo notaram que a gente achava normal ter um bebum perambulando por ali e relaxaram.
A cena me fez lembrar do Barriguinha, personagem da rua Conselheiro Antonio Prado, em Bauru, nos anos 70. Ele morava sozinho, numa casa de fundos, e ia para a esquina com a Saint Martin ver o mundo passar. A molecada do bairro estranhava o Barriguinha, que estranhava de volta, frequentemente atirando pedras. Minha mãe dizia que o Barriguinha tinha sofrido trauma de guerra, que deveríamos deixá-lo sossegado. Mas quando abandonamos definitivamente a brincadeira na esquina alguém ligado ao Barriguinha reclamou: a gente já não dava a ele a atenção que tinha se acostumado a esperar de nós!
Vivíamos, então, numa sociedade altamente hierarquizada, com papéis sociais claramente definidos (socialmente opressivas, diriam as mulheres de hoje, em retrospectiva).
Uma viagem recente pelo Brasil profundo me deixou impressionado com as rápidas mudanças sociais que estão em andamento no país. Jamais esperava constatar que Vitória da Conquista, Jequié, Feira de Santana, Salgueiro, Serra Talhada e Petrolina fossem ficar tão parecidas com o interior de São Paulo.
Em termos históricos, tudo está mudando numa velocidade espantosa, inclusive as hierarquias e os papéis sociais.
O consumo de massas, enfim, chegou ao Brasil.
Há alguns anos desembarquei em Boa Vista, Roraima, e fiquei pasmo de ver a praça central da cidade, à noite, transformada numa gigantesca praça de alimentação. Mas, em vez de gente jogando conversa fora, vi uma cena de hipnose coletiva diante de dezenas de aparelhos de TV, ligados na novela da Globo.
A chegada do Brasil ao consumo de massas vem no bojo de um processo rapidíssimo de urbanização. Uma verdadeira revolução capitalista, de consequências trágicas para as redes de solidariedade tão comuns no campo e nas famílias extensas. As ameaças à hierarquia e aos papéis sociais tradicionais são fontes de insegurança.
Em vez de ouvir os conselhos do vizinho, a gente agora consulta o “especialista” do Jornal Nacional para “aprender” a viver na suposta modernidade. Ela exige rapidez no aprendizado de quem antes apenas assistia: crédito consignado, novos modelos de automóvel, leis que agora nos dizem respeito…
A comunhão em torno da televisão. E das mídias sociais.
Um protagonismo social muitas vezes falso, pois camufla nossa impotência para mudar a realidade oferecendo soluções individuais e decisões inócuas: quem eliminamos do Big Brother? Quem merece ser o novo Ídolo?
Ao mesmo tempo, assistimos à socialização do que antes era íntimo: nossas angústias, medos, inseguranças e dores foram precificadas no Facebook.
Estamos todos disponíveis, o tempo todo. Somos experts em tudo, em tempo integral.
Mesmo a dor psíquica mais intensa, nessa nova sociedade, já não se contém entre quatro paredes: alcançou a dimensão social de um espetáculo.
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