Nós nos tornamos aquilo que contemplamos. É pela contemplação do
mundo e dos outros que nos fazemos. O que somos é algo constantemente
modificado pelos outros.
Nem mesmo para nós somos o mesmo, assumimos inúmeras
personalidades, como no filme “O médico e o monstro” baseado na obra de
Robert L. Stevenson, não conseguimos lidar com o fato de que somos
apenas um, enquanto tantos coexistem dentro de nós.
E assim, nesse embate de modos de ser divergentes nunca permanecemos o
mesmo, nunca temos unidade naquilo que somos, somos sempre de um modo em
uma tal ocasião, em um tal ambiente, com uma tal pessoa. Somos sempre
diferentes do que fomos a pouco e seremos sempre diferentes do que somos
agora. Nossa única constância é o devir.
Nem mesmo uma unidade biológica há: nosso corpo é uma cooperativa
de organismos vivos, e como tais, morrem, se reproduzem e interagem com
o meio e com as substâncias disponíveis. Sendo assim, nosso corpo nunca
permanece o mesmo.
Não apenas a fisiologia, mas a memória também é mutável, ela se
molda às novas informações, adicionando e excluindo novos registros.
Logo, não há uma lembrança igual à outra em períodos de tempo
diferentes. A forma como guardamos informações em nosso cérebro é
imprecisa e mutável, não possui a precisão estática da nossa linguagem.
De modo que não apenas o que sou é mutável, mas também o que fui, uma
vez que aquilo que fui existe exclusivamente em registros que são
continuamente modificados em nossa mente.
Não apenas nossas memórias são mutáveis, mas também nosso
conhecimento. Todos os campos do saber – história, arte, ciência,
filosofia, religião – são constantemente reescritos, reavaliados,
refundados.
Assim, talvez, só possamos nos definir de um único modo : Nós somos alteridade.
* Túlio Madson é bacharel e mestrando em Filosofia pela UFRN e colunista da Carta Potiguar, site do qual foi extraído este artigo.
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