Por Rubem Braga*.
"Comprem, comprem!" A publicidade faz sua grande farra de fim de ano, e nós é que devemos pagá-la. Uma garrafa de uísque deixa de ser uma garrafa de uísque, é um mimo envolvido em cores mil, cercado de frases festivas e exclamações: assim todas as coisas perdem seu ar honesto, afetam uma alegria sem graça.
E a burguesia faz surrealismo sem o saber. Que existe de mais louco do que receber votos de Feliz Natal e Próspero Ano Bom não de uma pessoa, mas de uma firma comercial, um banco, um ser jurídico? Não é o homem de empresa que nos saúda alegremente, de cristão para cristão; é a própria sociedade anônima que se faz afetuosa, que exprime os bons sentimentos que empolgam seu espírito de estatuto ou sua alma de balancete. É, digamos, a Coperval S.A., uma senhora visivelmente lírica, amante de legendas douradas sobre fundo azul, com uma letrinha sentimentalmente inclinada para a direita, flores e anjos, sinos a badalar. O coração da firma está batendo de afeto.
Dezembro, 1988.
* Rubem Braga foi um dos maiores cronistas brasileiros. O texto da postagem é um excerto da crônica Águas de Leste e Papai Noel contida no livro Um cartão de Paris (1997).
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